sábado, 20 de março de 2010

KOLOMBOLO DIÁ PIRATININGA

SEGUE ABAIXO UM TEXTO SOBRE O KOLOMBOLO DIÁ PIRATININGA. UM PARCEIRO DO PARANAPANEMA EM PRÓ AO MOVIMENTO DO SAMBA PAULISTA.

RETIRADO DO BLOG DO KOLOMBOLO: http://www.kolombolo.org.br


ENTENDA O KOLOMBOLO

Uma inacreditável parcialidade

É quase que um lugar comum, afirmar hoje em dia, que as escolas de samba sejam instituições produtoras de cultura.

Esse conceito é cristalino entre os sambistas, sejam eles dirigentes, componentes ou meros simpatizantes. Nos meios acadêmicos mais respeitáveis do Brasil e do mundo, é claramente este, o entendimento. Profissionais de imprensa, o meio artístico em geral, todo o amplo espectro das pessoas que trabalham na área cultural possuem igualmente, essa compreensão. Até mesmo as autoridades públicas aceitam essa idéia com razoável desembaraço.

No entanto, prevalece em quase todos os setores acima mencionados, a idéia de que a produção cultural das Escolas de Samba limita-se exclusivamente à produção dos desfiles de Carnaval, relegando-se a um plano distante, quase imperceptível, as demais atividades culturais, não menos importantes, realizadas durante o restante do ano.

O produto cultural “desfile de carnaval” adquiriu tal proporção, que surgiu até mesmo, a figura típica do sambista “maluco” por carnaval. Aquele que aparece sempre afirmando que vive exclusivamente para o dia do desfile, que deixa absolutamente tudo de lado, como se fosse uma espécie de alucinado que se contenta em dar sua vida em troca de uma hora e meia de “delírio” na avenida.

Como se não existisse toda uma extensa rede de relações existenciais, desenvolvidas durante todo o ano, entre esse sambista e sua agremiação preferida. Como se essas relações não fossem em parte, responsáveis por produzir essa vontade irrefreável de oferecer ao público, o resultado final de sua criação artística coletiva, expressão de seu mundo comunitário.

As escolas de samba representam muito mais do que um concurso oficial que aponta a campeã, a melhor: são espaços comunitários onde seus integrantes exercem sua cidadania, são organizações que através do ensino de tradições culturais populares da música, do canto, e da dança, proporcionam a sucessivas gerações, a educação cultural, historicamente negligenciada pelo Estado, são centros de formação artística, que conseguem incorporar milhares de pessoas excluídas das instituições oficiais, quase sempre restritas às elites econômicas, são locais que funcionam como usinas de auto-estima para um grande número de pessoas que ali encontram um sentido mais profundo para suas existências, e, são ainda, locais em que muitas vezes, os laços de solidariedade comunitária resgatam o fio de dignidade humana que sobrevive em pessoas sistematicamente marginalizadas.

Sem estes e inúmeros outros significados não citados aqui, não haveria desfiles de escolas de samba. E, no entanto, o que prevalece, o que é focado, enquadrado e divulgado, é quase sempre e exclusivamente, o desfile carnavalesco. O momento culminante, mas não o único, da complexa vida das escolas de samba.

Essa parcialidade tem, contudo, a sua razão de ser.

A híper-midiatização da cultura popular

A tendência de associar as escolas de samba, e a mais visível de suas realizações, o desfile de Carnaval, com os negócios de turismo foi uma estratégia compreensível, usada pelas agremiações cariocas, não só pela necessidade que elas tinham de se afirmar definitivamente no cenário social, mas também pelo fato de ser a cidade do Rio de Janeiro, um dos pólos mundiais do turismo.

A abordagem dos desfiles como um acontecimento turístico projetou a imagem das escolas de forma maciça na mídia em geral e na televisiva em particular. Essa exposição crescente e cada vez mais intensa acabou por drenar recursos de outros segmentos sociais, lícitos e ilícitos, interessados no retorno publicitário, no prestígio social e em todo tipo de vantagens que o financiamento das escolas passou a proporcionar. Hoje o desfile das escolas de samba é mundialmente reconhecido como um evento único.

O sucesso dessa estratégia alcançou um patamar vitorioso se visto pelo o ângulo do espetáculo midiático. Se observado, porém, pelo ângulo da preservação do processo cultural que originou as escolas e seus desfiles, o resultado é, no mínimo questionável.

O sucesso na primeira ponta é tão estrondoso que as preocupações e manifestações de sambistas mais críticos, preocupados com os aspectos mais tradicionais, têm sido classificadas como saudosistas ou românticas. Não que o espetáculo apresentado durante os desfiles, não seja ele próprio, uma realização cultural. No entanto, o gigantismo das produções afetou de tal maneira o seu modo de produção, que ele hoje corresponde muito mais à lógica de mercado, do que propriamente ao ciclo natural de criação coletiva das escolas.

Essa lógica pode ser observada, com exceções cada vez mais raras, em todos os níveis criativos envolvidos na construção do carnaval. Os enredos são escolhidos visando o potencial de captação de recursos financeiros. As equipes profissionais de artistas plásticos migram constantemente de escola ao sabor das melhores ofertas. Os sambas-enredos são escolhidos por meio de arranjos de interesse comercial, as próprias alas são vendidas, e o folião na verdade, não desfila por pertencer a uma coletividade. Desfila por ter comprado uma fantasia e consumido o direito de entreter-se ludicamente. Os destaques, as cortes de baterias e as posições de maior prestígio são preenchidos de acordo com a capacidade de retorno publicitário que o candidato representa.

Uma nova ideologia predomina sobre todo o processo cultural. O mais importante de tudo é veicular-se na mídia. A quantidade de vezes em que a escola aparece, passa a ser o termômetro que mede o sucesso de seu esforço coletivo. Nesse ímpeto, tudo o que não se vincula a esta nova determinação acaba por ser relegado ao esquecimento. Todos os que não possuem alguma qualidade de interesse midiático, são também marginalizados.

Lentamente as personalidades da coletividade original são afastadas. Até mesmo a composição numérica dos desfilantes sofre alteração. Segundo Fernando Pamplona, numa estimativa otimista, a comunidade não ocuparia hoje, mais do que 30% do total. E estes que resistem, se quiserem um lugar ao sol, devem submeter-se aos novos valores.

A conjunção do império da estética com as exigências financeiras do gigantismo espetaculoso passou a prevalecer sobre o próprio processo de reprodução cultural das escolas.

As atividades artísticas não são mais ensinadas e repassadas de acordo com um processo natural de crescimento do indivíduo, no qual ele possa, por exemplo, desenvolver habilidades próprias ou pessoais. Elas tornaram-se massificadas, e o papel do indivíduo resume-se a repetir o que já existe.

As batidas das baterias tornam-se, com raras exceções, indistinguíveis. As alas de compositores tornam-se meros letreiros, quando não desaparecem. A agilidade dos passistas é substituída pela eficiência em desfilar dentro do tempo. As alas de baianas sofrem com fantasias cada vez mais pesadas e repletas de acessórios estranhos às suas tradições. Os sambas de enredo tornaram-se previsíveis e repetitivos.

A própria noção de se pertencer a uma tradição de longa data, dá lugar ao imediatismo do sucesso midiático. Ao se tornarem espetáculos de massa, as escolas transformaram-se também em linhas de produção.

As escolas de samba da cidade de São Paulo adotaram o modelo carioca como exemplo, e não se pode negar que o nível técnico e a qualidade dos desfiles paulistanos cresceu bastante, aproximando-se, embora ainda muito distante, do nível carioca.

Essa percepção encontra-se tão enraizada, que a maior parte dos assuntos relacionados às agremiações são encaminhadas ao Anhembi que trata de eventos e turismo, às administrações regionais, a todo tipo de órgão, menos à Secretaria de Cultura.

Na verdade, São Paulo se ressente de um problema básico: tenta reproduzir nas condições paulistanas, um processo cultural gerado em outras circunstâncias, numa cidade com características totalmente diferentes. Embora conte com razoáveis atrações, São Paulo encontra-se muito aquém das atrações turísticas que o Rio de Janeiro contém. A conjunção de interesses que financia o carnaval carioca não tem a mesma intensidade em São Paulo. A própria assistência é reconhecidamente menor, restringindo-se majoritariamente à população local.

Apesar disto, o modelo carioca rendeu às escolas de elite paulistanas, um nível de espetáculo que lhes permite sobreviver sem maiores instabilidades. A cobertura televisiva e midiática cresceram o suficiente para fomentar uma aplicação de recursos jamais imagináveis a cerca de 15 anos atrás, por exemplo. Embora distante do volume observado no caso do Rio de Janeiro, esses recursos foram suficientes para instalar em São Paulo, a mesma lógica de mercado que predomina por lá.

Por outro lado, se a opção de mimetizar o modelo carioca ainda não produziu o resultado almejado pelos dirigentes paulistanos, os problemas decorrentes da massificação cultural já são similares, senão maiores.

O Galo já cantou!

É nesta cena histórica que o Kolombolo diá Piratininga está inserido. Não somos candidatos a quixotes, e as escolas de samba atuais com seu gigantismo espetaculoso, não serão nossos moinhos de vento.

Também não somos saudosistas, querendo fazer a roda da história girar de volta a qualquer época de ouro.

Vivemos em tempos de cultura de massas hiper-midiatizadas. Se as escolas atuais mergulharam nesse processo, significa apenas, que elas escolheram seu próprio caminho. Se dirigentes e protagonistas em geral estão satisfeitos com o produto final de seus esforços. E se é esta, a fórmula que uma grande massa consagrou, nós respeitamos integralmente essa postura e lhes desejamos a sorte que venham a merecer.

No entanto, se é verdade que a respeitamos, isso não significa que a aceitemos. Somos terminantemente contra o processo que submete a pessoa ao produto.

Não esqueceremos jamais da essência sambista que é sonhar, mas não permitiremos que a nossa cultura seja medida pela régua do mercado, nem que a nossa comunidade tenha o seu esforço criativo e cultural comercializado em prol de uma minoria.

Não viemos disputar nenhum concurso carnavalesco, viemos apenas para recolocar o ser humano, agente de sua cultura, sob o foco principal de nossos esforços sambísticos.

É esta a modernidade que nos interessa. É nisso que o projeto cultural do Kolombolo pretende investir.

Seremos Cordão Carnavalesco sim, com todas as implicações inerentes a esta opção, mas nossa atuação não se restringirá exclusivamente às suas atividades específicas. É nossa intenção estender a formação de nossos sambistas na direção de todo o amplo horizonte da cultura afro-brasileira, e da afro-paulista em particular.

Nossos ritmistas, por exemplo, não serão apenas executores de trilhas percussivas, mas músicos conhecedores de suas origens culturais, aptos a tocar do samba-enredo ao jongo, do tambú ao samba de breque. Não abriremos mão da intuição que acompanha cada um dos nossos batuqueiros, mas vamos somar a ela, a formação cultural e a consciência de sua cidadania. É nosso objetivo estender esta formação, realizada através de cursos, oficinas e outras formas, a todos os integrantes da comunidade.

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